Ponto de Encontro | Cláudia Semedo X Mariana Duarte Silva
Ponto de Encontro

Há lugares que nos ligam ao que somos, às nossas emoções.  

Que evocam os valores em que acreditamos e que gostaríamos de ver replicados no mundo.  

Há lugares que são casa.  

Portugal tem sido porto de muitos atracos. Um puzzle composto pelas trocas, ocupações e cruzamentos de vários povos.  

Dos fenícios aos árabes, passando pelos cartaginenses, pelos povos celtas, romanos, germânicos e mouros, Portugal tem no seu ADN a diversidade.  

A herança de culturas tão distintas expande as nossas fronteiras e, desejavelmente, os nossos horizontes.  

Lisboa tem em si tatuadas todas essas impressões.  

Lisboa é tão europeia quanto africana, árabe, asiática e, cada vez mais, americana.  

Lisboa é Criola e, deste lugar, vamos partir para tantos outros, escolhidos pelos nossos protagonistas, para percebermos os seus contornos.  

Um portão. Um portão é o que separa a Avenida da Índia de um universo de mistura, de partilha e de aprendizagem, onde a arte é um instrumento da igualdade e da coesão. Entrar no Village Underground é entrar num espaço de liberdade e transformação. A música e a criatividade correm soltas e conectam até o mais fechado dos céticos.

Foi num dos contentores marítimos convertidos em espaços de coworking que conversámos, um lugar incrível e improvável como são os que se cruzam na vida da nossa convidada.

Foi numa pista de dança que Mariana Duarte Silva descobriu a música electrónica e a sua missão. 

O meu pai, sendo de uma família à antiga, não me deixava sair à noite. Então eu não fiz o percurso normal. Quando pude finalmente viver as saídas à noite, entrei directa no mundo da música electrónica e das festas underground. E a música dava-me uma adrenalina enorme, a pista de dança permitia-me libertar. Era uma evasão grande e um mergulho também. O impacto com a música, as luzes, os dj’s foi muito forte. Ao ponto de me ter dado a noção do que eu queria fazer. Eu tinha um curso de gestão, pela obrigação familiar de ter de ter um curso superior, e percebi que podia ajudar com o que eu tinha estudado. Eu trabalhava na Media Capital, tinha contactos na imprensa, sabia escrever um press release, sabia contactar empresas. Comecei a aplicar a minha experiência na música electrónica com os Stereo Addiction, como manager. Depois foram-se juntando outros e comecei a promover festas. Conjugava com o meu trabalho diário, mas rapidamente percebi que queria dedicar-me à música, gestão de carreiras e produção de eventos a tempo inteiro.

Em 2007 Mariana foi viver para Londres. Voltou dois anos depois, casada e com um projecto de vida debaixo do braço.

 Escolhi ir para Londres para me profissionalizar porque me revia na indústria e porque precisava de me desafiar. Aqui já estava muito confortável. A minha vida mudou. Foram dois anos muito prósperos até vir a crise, que foi um tsunami naquele universo. Londres afundou-se numa crise feia. Decidi voltar para Portugal mas Londres inspirava-me de tal modo que eu queria trazer um bocadinho daquela realidade para aqui.

Lá trabalho é trabalho, curtir é curtir. E fazem-se as coisas muito bem feitas. Não há almoços de duas horas e meia, idas à praia à hora do almoço, não cancelas uma reunião em cima da hora. Claro que há defeitos mas estava encantada com a capacidade de trabalho e o método deles e queria trazer isso para cá, através do Village Underground. Eu não sabia se ia resultar mas tinha e tenho a convicção de que não há nada que ultrapasse, ou supere, tanto talento e tão novo e tão diferente. Também não sabia que seria complicadíssimo montar o projecto. Era fora daquele tempo e estávamos mergulhados numa crise terrível. Tive a sorte da Carris ter achado graça ao projecto, mas foram 5 anos de procura do espaço. Quando me apresentaram este cantinho, achei que era incrível.

Um caminho longo feito de muito trabalho, muita aprendizagem e da aproximação de muita gente que se quer misturar, criar e transformar.

Tenho essa missão. De criação de sinergias. Sou uma espécie de catalisador. Se acho que vai valer a pena e acredito que é para fazer, vou com tudo e vou até ao fim. Mas vou-me apoiando muito em pessoas e na força do trabalho. Houve lugar para errar, para aprender e para criar. Cruzámos a música com street art, literatura, cinema. Queria mesmo criar uma espécie de família que facilita a concretização dos projectos.

Um dos mais significativos nasceu no seio desta sua família. Começou com um Acorde Maior que se agigantou.

Eu e o meu marido (Gustavo Rodrigues), por sabermos que somos privilegiados, que não nos falta nada, sentimos a necessidade de devolver à comunidade. A música deu-nos uma família, o Village, uma missão. Eu queria que mais miúdos pudessem ter esse contacto. E esta merda de nasceres no sítio errado, à hora errada, pode condicionar a tua vida toda. Mas se tiveres pessoas que te vão puxando, inspirando e abrindo novas possibilidades, as coisas podem mudar.

O Acorde Maior começou com o José Crespo que vinha da Guildhall School e queria fazer projectos musicais educativos. Nós tínhamos essa vontade de criar um projecto de responsabilidade social e foi um alinhamento de estrelas muito fixe. A metodologia dele, muito semelhante à licenciatura em Música na Comunidade do Instituto Politécnico de Lisboa (IPL), junta um grupo de pessoas para criar um projecto musical, independentemente dos seus contextos e de saberem, ou não, de música.  Definem em conjunto o que querem e traçam objectivos para chegarem à performance final.

O que eu vi a acontecer foi mágico. Miúdos que chegaram sem saber bem o que estavam ali a fazer e que, depois de uma semana, apresentaram um espectáculo que podia estar na Aula Magna. A música tem isso. Ela vem de todo o lado. Eles fizerem percussão com o corpo, dança, jogos de luz e conseguiram criar um espectáculo a partir do compromisso que tinham feito uns com os outros.  

A integração no projecto foi brutal e depois da terceira edição percebemos que tínhamos de alargar a experiência. Fizemos mais duas edições em que convidámos miúdos da Orquestra Geração, da Metropolitana, do Hot club, do Conservatório Privado e de outros agrupamentos musicais para enriquecer o ensemble e trabalhar em conjunto com os miúdos que não sabiam nada. O resultado foi transformador e nós percebemos que tínhamos de fazer isto o ano inteiro.

A Mariana sonha, o Gustavo acrescenta as suas capacidades de produção e concretização, as estrelas alinham-se e a obra nasce.

Com a Skoola queríamos dar acesso a mais miúdos, de forma justa, profissional e de qualidade e envolvendo este espaço e os seus recursos. Juntou-se uma equipa maravilhosa e estabeleceu-se uma ligação à licenciatura do IPL, porque é muito importante a base científica.

Era também importante aproximar miúdos de geografias e estratos sociais diferentes, para que houvesse uma troca transversal. Vêm de diferentes contextos e aqui fazem todos tábua rasa. São todos iguais. A música faz isso. E nas pausas, quando jogam basquete ou quando estão a reflectir com a psicóloga sobre como correu o dia, quais são os medos e os desafios, eles percebem que é tudo igual. Não há cor, não há bairros, não há credo, não há dinheiro que evite os problemas e a tristeza. Aqui, a música equilibra tudo. Os problemas, as frustrações e as alegrias. Quando se entusiasmam, entusiasmam-se juntos. Celebram juntos.

Eles experimentam tudo. Passam pelas cordas, luzes, pelos computadores, pelo palco, pelas teclas, sopro, performance. Levam para casa horas de criação e criatividade que são super importantes e não são assim tão incentivadas nas escolas. A aprendizagem não formal tem um papel transformador e contribui para a auto-estima, sucesso escolar, confiança, sentido de pertença, identidade, entre muitas outras coisas.

Está a ser bom para todos. Os miúdos transformam-se no contacto entre si e com os músicos e professores. Saem daqui a pensar noutras coisas. Todos beneficiam deste contacto. Aprende-se muito a ensinar.

Da sua vontade de trabalhar com a música e criar impacto na comunidade que a rodeia, Mariana transformou a cidade e potenciou a sua evolução em cada semente que continua a plantar.

Lisboa está mais aberta e misturada desde há uns dez anos para cá. A música que saiu dos bairros e veio cá para fora teve um papel essencial na transformação do tecido e desta ligação. A Skoola é mais um projecto que nasce inspirado nesta mistura e que quer misturar ainda mais. É mais uma ponte.

Atravessemos!

Ponto de Encontro | Cláudia Semedo X Selma Uamusse
Comunicação
Cláudia Semedo, atriz, apresentadora, licenciada em jornalismo, mestre em empatia. Todos os meses, Cláudia encontra-se com uma pessoa diferente, e de uma conversa apresenta-nos uma partilha.
Ponto de Encontro | Cláudia Semedo X Isabél Zuaa
Expressão
Cláudia Semedo, atriz, apresentadora, licenciada em jornalismo, mestre em empatia. Todos os meses, Cláudia encontra-se com uma pessoa diferente, e de uma conversa apresenta-nos uma partilha.
Ponto de Encontro | Cláudia Semedo X Pedro Mafama
Estética
Cláudia Semedo, atriz, apresentadora, licenciada em jornalismo, mestre em empatia. Todos os meses, Cláudia encontra-se com uma pessoa diferente, e de uma conversa apresenta-nos uma partilha.
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Inspiração
Cláudia Semedo, atriz, apresentadora, licenciada em jornalismo, mestre em empatia. Todos os meses, Cláudia encontra-se com uma pessoa diferente, e de uma conversa apresenta-nos uma partilha.
Ponto de Encontro | Cláudia Semedo X Valete
Interpretação
Cláudia Semedo, atriz, apresentadora, licenciada em jornalismo, mestre em empatia. Todos os meses, Cláudia encontra-se com uma pessoa diferente, e de uma conversa apresenta-nos uma partilha.